10 | AUTOMÓVEL CLUB DE PORTUGAL JUNHO 2024 FERNANDO NUNES DA SILVA Professor universitário e presidente da ADFERSIT OPINIÃO Tema de Capa É preciso recuar até à década de 1990 para entender o racional de uma terceira travessia do Tejo (TTT) entre Chelas e Barreiro. Com efeito, no decurso do XIII Governo Constitucional, o Ministro do Planeamento e Administração do Território, engenheiro João Cravinho, propôs a localização do novo aeroporto de Lisboa (NAL) na área da Base Aérea da Ota. Devido a esta opção, seguindo as boas regras de planeamento, a linha de alta velocidade ferroviária (AVF) Lisboa/Porto passaria pelo NAL e seguiria em direcção a Madrid através da TTT a construir no alinhamento Chelas/Barreiro. A decisão do Governo de localizar o NAL no Campo de Tiro de Alcochete impõe que se repense a TTT e a sua articulação com as linhas de AVF O racional do novo sistema de transportes ficaria assegurado pelas ligações ferroviárias directas do eixo Atlântico ao NAL e a Madrid, alargando a área de influência do NAL ao corredor litoral 1 e possibilitando articular a operação dos seus dois aeroportos, além de captar uma parte significativa do tráfego aéreo entre Lisboa, o Porto e Madrid, dando cumprimento às orientações da Comissão Europeia para substituir os voos até 600 km por transporte ferroviário. É neste quadro que se justificava uma TTT no alinhamento Chelas/Barreiro, com proposta de uma estação central na Gare do Oriente. A decisão do Governo de localizar o NAL no Campo de Tiro de Alcochete impõe que se repense a TTT e a sua articulação com as linhas de AVF, tal como a ADFERSIT defendeu e expôs por carta do passado mês de maio ao actual Ministro das Infraestruturas. De facto, não é aceitável, além de ser um erro estratégico, mudar a localização do NAL e manter os traçados dos outros elementos do sistema de transportes que o deve servir, isto é, as linhas de AVF, o alinhamento da TTT e o serviço ferroviário suburbano da Área Metropolitana de Lisboa. Escamotear esta questão e fingir que se encontra uma “solução” para manter os anteriores traçados, não só resultará num forte prejuízo para a interoperabilidade do sistema, como introduzirá um acréscimo de custos e de tempo nas ligações de AVF entre o Porto e Lisboa2, diminuindo a sua competitividade com os modos de transporte concorrentes. Por outro lado, compreende-se mal que, nas actuais condições financeiras do país, se insista numa TTT com um custo superior a €3 mil milhões, quando é possível um traçado pela margem esquerda do Tejo, com uma travessia no Carregado e outra na península do Montijo – mais curtas, mais baratas e sem interferências no porto de Lisboa –, que não só evitaria os problemas da travessia de Vila Franca de Xira e de Alhandra, como permitiria uma ligação mais directa do NAL à estação central de Lisboa, além de possibilitar a integração da rede ferroviária das duas margens do Tejo num único serviço suburbano. Por sua vez, a melhoria da acessibilidade rodoviária ao Barreiro e Seixal não necessita desta TTT para se concretizar. A ligação que tarda concretizar não é esta TTT. A única que permite descongestionar a ponte 25 de Abril e assegurar a ligação entre as duas redes de metropolitano ligeiro existentes/programadas nas duas margens do Tejo, é entre Algés e a Trafaria Basta para tanto construir as projetadas ligações entre o Seixal e o Barreiro no esteiro de Coina, e entre a Moita e a Península do Montijo, para que a acessibilidade destas zonas à ponte Vasco da Gama aumente substancialmente. A ligação que tarda concretizar não é esta TTT. A única que permite descongestionar a ponte 25 de Abril e assegurar a ligação entre as duas redes de metropolitano ligeiro existentes/programadas nas duas margens do Tejo, é entre Algés e a Trafaria. Em síntese. A manutenção da TTT no alinhamento Chelas/Barreiro, para além de maior custo, serve pior o NAL e a AML, e aumenta o tempo da ligação Lisboa/Porto. Existindo soluções alternativas viáveis, não é aceitável fingir que nada mudou e insistir numa solução que perdeu a sua racionalidade com a nova localização do NAL. Por outro lado, há projectos que têm maior justificação e impacte positivo nas acessibilidades da AML e constituem uma mais eficiente aplicação desse recurso financeiro. • Uma ponte fora do tempo e outra que tarda 1 Onde se concentra mais de 70% da população continental do país e 85% do PIB (INE, 2020). 2 Acréscimo de cerca de 50 km (com um custo não inferior a 7 milhões/km) e mais 20 minutos nesta importante ligação ferroviária.
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