Revista ACP março

AUTOMÓVEL CLUB DE PORTUGAL MARÇO 2024 | 3 Há muito que defendo a necessidade de realismo nas políticas de mobilidade. Mesmo que por vezes a intenção seja boa, a sua execução revela-se desastrosa para os supostos beneficiários. Vem isto a propósito de um tema que promete agitar as próximas eleições europeias e que, mais do que pensar, nos deve levar a agir. Em Portugal existe ainda um certo alheamento de Bruxelas, como que se o que lá se decide não impactasse as nossas vidas porque cada Estado é soberano. É verdade, mas integramos um mercado comum e a cada crise somos confrontados com a nossa vulnerabilidade. A entrada massiva de automóveis elétricos chineses tem provocado grande turbulência na Europa e a explicação é básica: mão de obra barata, eventuais subsídios da China aos seus fabricantes para darem músculo a esta ‘invasão’, que se traduzem em múltiplas ofertas a preços altamente competitivos para os consumidores. Já não é de hoje este embate Europaresto do mundo. Recordo-me da comissária da concorrência, em plena pandemia da Covid-19, alertar para a necessidade de a Europa ser mais autossuficiente, quando escasseavam máscaras e outros produtos de proteção individual. O mesmo episódio repetiu-se a propósito da falta de vacinas com a britânica AstraZeneca. Para a indústria automóvel, a Comissão Europeia impôs um prazo para se reconverter aos elétricos até 2035 sem acautelar as consequências para a própria economia da União. Os automóveis chineses têm valor, qualidade e fazem o seu trabalho. A questão é que entram na Europa com uma vantagem de custo muito inferior à saída da fábrica. Como bem tem alertado Carlos Tavares, CEO da Stellantis (fabricante das marcas Peugeot, Citroën, DS, Opel, Fiat, Alfa Romeo, Jeep ou Abarth), os construtores europeus só podem fazer uma coisa que é vender carros com prejuízo. Ou perderem quota de mercado, o que vai dar no mesmo. Se perderem quota de mercado, a base de negócio é mais restrita, logo, tem de se redimensionar a empresa e cria-se um problema social. Se venderem os carros ao preço dos chineses, mas tendo custos de produção superiores, está-se a vender com prejuízo. E aí chega a crise à economia europeia com incidência direta nessas empresas. Certo é que o preço dos automóveis fabricados na Europa para os europeus vai ser mais caro, vai provocar mais inflação e a mobilidade dos europeus vai ficar altamente condicionada. É nesta realidade que a Comissão Europeia parece ter aterrado agora, apesar dos muitos alertas nos últimos anos. Era inevitável e iria acontecer mais dia menos dia. Por isso, pondera agora levantar barreiras alfandegárias aos elétricos chineses. A Comissão diz ter provas de que a China está a dar subvenções ilegais aos seus fabricantes, concedidas por meio de fundos diretos e de outros mecanismos. O desfecho deste processo promete vários episódios, mas devemos também olhar para os grandes grupos europeus que operam em todo o Mundo. A solução está em políticas protecionistas? O futuro o dirá, mas a União Europeia tem de começar a governar para os europeus de carne e osso e deixar de se esconder em gabinetes que só ajudam a que os cidadãos se sintam completamente alheados de Bruxelas. Quem ganha com a imposição por decreto do fim de atividades que empregam mais de 15 milhões de trabalhadores na Europa e a obrigação de os fabricantes se reconverterem porque sim e já? Seguramente não são os europeus, a mobilidade e a economia.• Pragmatismo precisa-se CARLOS BARBOSA PRESIDENTE DO AUTOMÓVEL CLUB DE PORTUGAL Editorial Como bem tem alertado Carlos Tavares, CEO da Stellantis, os construtores europeus só podem fazer uma coisa que é vender carros com prejuízo. Ou perderem quota de mercado, o que vai dar no mesmo

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