Revista ACP Dezembro
A versão nal do texto do Pacto Climático assinado em Glasgow esteve em risco até que a Índia acabou por ceder, mas só depois de alterar uma única palavra, que tem enorme impacto nas economias em vias de desenvolvimento Cerca de 200 países adotaram o Pacto Climático de Glasgow, assinado na COP26, na Escócia, em meados de novembro, após quase duas semanas de disputas sobre todos os pontos, desde quanto limitar o aquecimento global, à questão dos combustíveis fósseis, passando pela melindrosa pergunta sobre se e como os países mais afetados pela crise climática devem ser compensados. Texto final aprovado só depois de ser alterada a palavra "eliminação" para "redução" do uso de carvão A questão dos custos e impactos nas economias, sobretudo nos chamados países em vias de desenvolvimento, acabou por ensombrar a cimeira Quem paga a transição para a neutralidade carbónica? escocesa. O acordo faz uma menção sem precedentes ao papel dos combustíveis fósseis na crise climática. E isso é algo que nem o emblemático Acordo de Paris, em 2015, foi capaz de alcançar. O Pacto Climático de Glasgow apela à redução gradual do carvão e dos subsídios aos combustíveis fósseis, uma novidade no discurso oficial sobre o clima. A linguagem do texto final era originalmente bastante mais forte e radical, mas acabou por ser diluída ao longo da cimeira, até que se chegou a um ponto em que, já perto do fim, a Índia, com o apoio do Irão, deixou bem claro que não daria a sua bênção. É que o pacto exige que todas as 197 partes cheguem a acordo. A Índia acabou por aceitar a proposta de texto, apenas exigindo uma “pequena” alteração final: em vez de o texto referir “uma eliminação gradual” do uso do carvão, passou a referir “uma diminuição gradual” do uso do carvão. O Ministro do Ambiente indiano, Bhupender Yadav, justificou que seria muito difícil para o segundo país mais populoso do mundo, responsável por 5% das emissões mundiais, acabar com o uso do carvão e os subsídios aos combustíveis fósseis ao mesmo tempo que tenta combater a pobreza. Recorde-se que os países mais ricos concordaram há mais de 10 anos em transferir 100 mil milhões de dólares por ano para as nações em desenvolvimento, para ajudar à sua transformação em economias de baixo carbono, e adaptar-se à crise climática. A adaptação pode envolver tudo, desde a construção de muros marítimos para evitar inundações, à deslocação de comunidades da costa e à adaptação de casas para melhor resistir a eventos climáticos extremos. Países ricos nunca entregaram os 100 mil milhões de euros anuais para a transição Mas, não só os países desenvolvidos nunca entregaram os 100 mil milhões de dólares anuais, como também as nações em vias de desenvolvimento dizem que, em primeiro lugar, aquela verba não está nem perto de ser o suficiente. Ainda assim, o Pacto Climático de Glasgow inclui uma duplicação das verbas para a adaptação à crise até 2025, a partir dos níveis de 2019, o que constitui um progresso nesta área. Segundo um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), o custo económico crescente da crise climática no mundo em desenvolvimento vai exceder em muito o atual valor da assistência financeira que tem sido prometida pelas nações mais ricas. Nas contas da organização liderada por António Guterres, o custo do impacto climático nos países em desenvolvimento poderá atingir os 300 mil milhões de dólares por ano até 2030 e 500 mil milhões de dólares por ano até 2050. Isto é entre cinco e 10 vezes superior à ajuda financeira que os países mais ricos se comprometeram a apoiar os países que lidam com o agravamento dos efeitos do aquecimento global e que ainda nem sequer começaram a cumprir. 10
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy ODAwNzE=